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Por que tudo é tão caro no Brasil?


O publicitário Eduardo Lopes, de 27 anos, trabalhou duro para realizar um de seus sonhos de consumo: comprar um Corolla 2.0, automático, zero-quilômetro, de R$ 75 mil. Há um mês, ele trocou seu Fiat Idea, comprado em 2008, pelo sedã da Toyota, o carro mais vendido no mundo, em uma concessionária de Goiânia, onde mora. Deu de entrada seu Idea, avaliado em R$ 32 mil, e pagou R$ 43 mil à vista. Para comprar um carro que custa 15 vezes sua renda média mensal, de R$ 5 mil, Lopes usou uma poupança de R$ 25 mil, formada durante dois anos à base de economias e alguns trabalhos extras. “Eu poderia partir para um carro popular, que é bem mais barato, mas gosto de conforto e acho que mereço”, diz.
Em comparação com o preço cobrado pelo Corolla em outros países, Lopes pagou uma pequena fortuna. De 13 países pesquisados por ÉPOCA, o Brasil é onde ele custa mais caro (leia o quadro abaixo). Nos Estados Unidos, ele é vendido por R$ 32.800 (US$ 19 mil), menos da metade do preço daqui. Na China, por R$ 37.100. No México, por R$ 37.200. Na Alemanha, por R$ 50.700. O preço médio dos 13 países é de R$ 45.800, 60% do preço nacional. A diferença, de quase R$ 30 mil, poderia ter servido para Lopes fazer uma série de outros gastos – ou poupar mais.

O caso de Lopes e seu Corolla não é isolado. ÉPOCA pesquisou os preços de outros 16 produtos lá fora. Em 12 deles, os preços brasileiros ficaram acima da média internacional. Um litro de gasolina custa em torno de R$ 2,70 aqui, em comparação a uma média no exterior de R$ 2,25 – 17% a menos. Uma geladeira de 320 litros custa cerca de R$ 1.600; lá fora, a média é de R$ 941. Os únicos produtos em que os preços no Brasil são menores que a média internacional são uma caneta Bic tradicional, uma lata de Coca-Cola, um livro e um maço de Marlboro (o cigarro, sobretaxado nos países desenvolvidos por causa dos prejuízos à saúde, custa aqui 30% menos que no exterior).

Isso explica a volúpia com que os turistas brasileiros vão às compras quando viajam para o exterior. Segundo dados da Secretaria de Turismo dos Estados Unidos, os turistas que mais gastaram dinheiro no país em 2009 foram os brasileiros – US$ 4.800 per capita. Ficaram à frente de australianos e japoneses, conhecidos como os maiores gastadores do mundo. De acordo com o empresário gaúcho Henri Chazan, de 40 anos, presidente do Instituto da Liberdade, uma entidade voltada para a defesa da livre-iniciativa e dos direitos individuais, é possível pagar a passagem, de cerca de US$ 1.000 (R$ 1.800) só com a diferença entre os preços nos Estados Unidos e no Brasil. Chazan calcula que quem comprar seis camisas da griffe Tommy Hilfiger, quatro calças de sarja e dois tênis recém-lançados no mercado consegue tirar a passagem praticamente de graça. Lá, segundo ele, as camisas custam R$ 45 (US$ 25) num outlet perto de Miami. Aqui, R$ 150. As calças saem por R$ 55 (US$ 30) lá e por R$ 150 aqui. Os dois tênis custam R$ 300 lá e R$ 1.000 aqui. Some tudo: R$ 1.700 a menos. Chazan diz que recentemente ele e sua mulher compraram um carrinho de bebê Peg-Pérego Pliko P3 em Miami por R$ 410 (US$ 229). No Brasil, ele custa R$ 1.100, quase o triplo. “Como sou pobre, só compro nos Estados Unidos”, brinca. “Não é consumismo. É que lá é mais barato e o produto é melhor.”

No mês passado, a gerente comercial Juliana Dionisio, de 25 anos, de São Paulo, fez a mesma coisa. Aproveitou uma viagem com o noivo para Nova York e comprou um iPod clássico, com 160 Gb de memória e uma caixinha de som JBL. Gastou R$ 765 (US$ 442). No Brasil, teria pago R$ 1.430. “Sou viciada em música e sempre quis ter um iPod, mas achava caro”, afirma. “Quando fui para Nova York, foi a primeira coisa que eu quis comprar.”

Os preços altos no Brasil levam muita gente a contratar empresas no exterior para trazer produtos importados. Por uma taxa que varia de US$ 150 a US$ 350, as empresas entregam computadores, TVs de LCD, roupas e brinquedos na casa do comprador. Para não pagar nada na alfândega, elas simulam que os produtos comprados pelos turistas fazem parte de uma mudança de brasileiros que moravam no exterior e decidiram retornar ao país, o que é permitido pela legislação. Obviamente, as transportadoras negam que façam essas operações para quem não está voltando ao Brasil depois de viver fora.

Pagar mais caro poderia ser compensado pelo fato de ganhar mais. Ocorre o contrário. Os brasileiros ganham, em média, bem menos que os cidadãos de países desenvolvidos. Segundo o sociólogo Alberto Carlos Almeida, sócio do Instituto Análise e autor do livro A cabeça dos brasileiros, a renda média mensal familiar nos Estados Unidos é de US$ 4.186 (R$ 7.535). No Brasil, gira em torno de R$ 1.200. Conjugando os dois fatores – ganhar menos e pagar mais –, temos a real diferença no poder de consumo: nos EUA, um Corolla custa o equivalente à renda de 4,5 meses da família média. No Brasil, 62,5 meses. Em uma viagem para dar uma palestra nos Estados Unidos, Almeida diz ter feito uma pesquisa de preços. Comprou uma série de produtos do dia a dia em uma drogaria. Na volta, fez a mesma compra no Brasil. Aqui gastou um pouco menos: R$ 106, contra os R$ 127 gastos lá. Mas sua “cesta drogaria” representava apenas 1,7% da renda mensal familiar americana. Aqui, 9%. “É uma aberração.”

Com as empresas, a situação não é diferente. O empresário David Neeleman fundou a JetBlue, uma das principais companhias de aviação dos EUA. Em 2008, fundou a Azul no Brasil. Quase todos os produtos que comprou quando montou o negócio eram mais caros no Brasil – móveis, telefones fixos, celulares, computadores. Neeleman afirma que seu plano para a Azul era implantar um sistema de call center igual ao da JetBlue, pelo qual os funcionários trabalham em casa, ligados ao sistema central de computação da empresa – eles ganham por hora, têm horário flexível e não gastam dinheiro com transporte nem com roupas sociais para trabalhar. Não conseguiu. Nos EUA, o usuário paga uma tarifa de US$ 35 (R$ 63) pelo uso ilimitado do telefone fixo. Aqui, as tarifas são cobradas por minuto. “O sistema ficou inviável.”

Por que tamanha disparidade? O que faz com que os produtos comprados pelos brasileiros sejam duas, três, até quatro vezes mais caros que no exterior? Há várias explicações. Parte do problema está na valorização do real em comparação ao dólar nos últimos anos, resultado do fortalecimento da economia brasileira e do acúmulo de reservas em moeda forte, hoje estimadas em US$ 250 bilhões, pelo país. Quando se faz a conversão com o real valorizado, os preços nacionais ficam maiores em dólar. Mas, ainda que o real tivesse uma desvalorização de 10% ou 20%, como defendem vários empresários e economistas, um grande número de produtos continuaria a ser muito mais caro no Brasil que em outros países. Isso significa que o câmbio não é o principal vilão da história. “Nenhum país consegue ser competitivo de forma sustentada manipulando o câmbio na canetada”, diz o economista Rodrigo Constantino, autor do livro Prisioneiros da liberdade.

Outro fator importante, segundo os especialistas, é a alta taxação dos produtos importados no país. Apesar da abertura e da redução dos impostos que incidem sobre as importações, promovidas no início dos anos 90 pelo então presidente, Fernando Collor, ela ainda é muito alta em relação a outros países. Em nome da proteção à indústria nacional, o governo acaba restringindo a concorrência – e quem paga a conta é o consumidor. “No Brasil, ainda predomina a mentalidade mercantilista de que importar é ruim”, diz Constantino. “O efeito é que compramos uma carroça pelo preço de uma Ferrari.”

Por causa da alta taxação dos importados, o empresário americano Steve Jobs, presidente e fundador da Apple, teria recusado um convite do governo fluminense para abrir a primeira loja brasileira da marca na nova zona portuária do Rio de Janeiro, como parte do processo de revitalização da área. “Não podemos nem exportar nossos produtos (fabricados nos EUA) com a política maluca de taxação superalta do Brasil”, teria dito Jobs, ao responder por e-mail ao convite, segundo um texto vazado a jornalistas. “Isso faz com que seja pouco atraente investir no país. Muitas companhias high-tech pensam assim.”

Também é essencial para explicar os altos preços pagos pelos brasileiros a existência de monopólios ou semimonopólios em diversos setores da economia do país. Um caso exemplar é o do cimento. Como não dá para importar cimento, porque ele é muito pesado e poderia virar pedra nos navios que os transportassem, levando-os ao fundo do mar, os produtores nacionais não sofrem a concorrência externa e podem cobrar mais pelo produto, sem medo de perder mercado.

Se fosse necessário eleger apenas uma explicação para os altos preços no Brasil, porém, seriam os impostos. Até os produtos da cesta básica, como o arroz, o feijão, o café e o pãozinho francês, pagam impostos, que encarecem o preço final entre 15% e 20%. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o Brasil está entre os países com os impostos mais altos do mundo: um de seus estudos mostrou que, em 2009, os brasileiros trabalharam 147 dias só para pagar impostos. Na Espanha, trabalham-se 137 dias para sustentar o Fisco. Nos EUA, 102. Na Argentina, 97.

Segundo dados do Impostômetro, uma calculadora eletrônica desenvolvida pelo IBPT para a Associação Comercial de São Paulo, os brasileiros pagaram R$ 1,1 trilhão em impostos em 2009. Isso representa 35% do Produto Interno Bruto (PIB), que reflete tudo o que se produz no país a cada ano. Em nenhum outro país emergente, com a renda per capita igual ou menor que o Brasil, o peso dos impostos (chamado pelos técnicos pelo nome hermético de “carga tributária”) é tão grande. Na Argentina, é 22,9%. Na Índia, 17,7%. Na China, 17%.

Em alguns países desenvolvidos, os impostos são mais altos. Na Dinamarca e na Suécia, alcançam 49,1% do PIB. Na França, 44,2%. A diferença é que lá a população recebe serviços de qualidade em troca do que paga ao governo. Diversos países com carga tributária menor, como Japão e Estados Unidos, conseguem garantir bons serviços para a população. No Brasil, a classe média não apenas paga impostos altos, mas precisa pagar também uma escola particular, um seguro-saúde, às vezes até segurança privada, para suprir por conta própria os maus serviços do Estado. “Se fizermos a relação entre o que o Brasil arrecada e o que devolve à população em serviços públicos, podemos dizer que o país tem a maior carga tributária do mundo”, afirma João Eloi Olenike, presidente do IBPT.

Na contramão da percepção que se tem do problema no país e também no exterior, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, elogiou na semana passada a carga tributária brasileira. “Essa é uma política adotada há várias décadas (no Brasil) e que está funcionando”, disse Hillary. Sua afirmação gerou indignação. “Queria ver a Hillary ficar doente e ir fazer uma consulta no SUS (Sistema Único de Saúde)”, afirma o empresário Paulo Francini, diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. “O que a Hillary falou é uma estupidez”, diz o economista Paulo Rabello de Castro (leia sua coluna). “É coisa de quem não conhece o país e não sabe do que está falando.”

Como se já não fosse elevada o suficiente, a carga tributária brasileira não para de crescer. Embora relativamente estabilizada em relação ao PIB, em razão do crescimento da economia nos últimos anos, em termos absolutos ela deu um salto – e isso não foi privilégio de um único governo. De 1986 a 2009, ela aumentou 13 vezes, enquanto o PIB cresceu oito vezes. Só no governo Lula, passou de R$ 482,5 bilhões para R$ 1,1 trilhão, a maior parte destinada à União. Em 1993, cada brasileiro pagava em média R$ 799 de impostos por ano. Hoje, paga, em média, R$ 5.929. “Isso estimula a sonegação, a informalidade das empresas e dos trabalhadores”, afirma Olenike.

Os impostos elevados são além de tudo cruéis: como boa parte deles recai sobre os preços dos produtos, seus efeitos são muito maiores para os mais pobres. Segundo uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao governo federal, a população de menor renda, que ganha até dois salários mínimos por mês, tem de trabalhar 197 dias por ano só para pagar impostos. Os mais ricos, com renda mensal acima de 30 salários mínimos, 106 dias. Um estudo feito em 2009, em 70 cidades, pelo Instituto Análise, do sociólogo Almeida, mostra que 67% das pessoas com renda familiar de até um salário mínimo dizem preferir um presidente que reduza os impostos dos alimentos para comprar comida mais barata. “É um sistema que tira dos pobres para dar aos ricos”, diz Almeida. “As pessoas sabem que poderiam consumir mais, não fossem os impostos.”

O sistema tributário brasileiro é também muito complexo. Compromete a competitividade das empresas nacionais no mercado global. Segundo uma pesquisa da consultoria PriceWaterhouse Coopers para o Banco Mundial, o Brasil é o país em que as empresas mais perdem tempo para administrar suas obrigações tributárias: 2.600 horas por ano, o maior tempo em uma lista de 183 países. No México, competidor direto do Brasil, são 517 horas. Na Argentina, 453. No quesito que avalia a facilidade para o pagamento de impostos, o Brasil fica em 150o lugar. Carlos Iacia, sócio e coordenador da consultoria na área tributária, diz que, em grandes bancos, de 300 a 400 pessoas têm de estar diretamente envolvidas com a gestão de tributos. “A carga tributária é alta, mas a burocracia também afeta a vida das empresas”, diz. “No Brasil, elas precisam empregar recursos muito maiores na apuração de tributos que seus concorrentes do exterior.”

Ao que tudo indica, reduzir impostos não faz parte da agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No final do ano passado, ele declarou que os brasileiros vão ter de aprender a conviver com impostos altos. “É uma bobagem achar que é possível viver com imposto baixo no Brasil”, afirmou. Este é o ponto de maior insatisfação com seu governo. Uma pesquisa feita em março pelo Ibope para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que, quando o assunto é impostos, a aprovação de Lula cai de 83% para 37%. O índice de desaprovação nesse item do governo é de 54% (9% não responderam à questão).

A maior derrota de Lula em sua gestão foi também em questões relacionadas a impostos. Sob pressão de entidades da sociedade civil, que realizaram manifestações em todo o país, o Congresso derrubou a prorrogação da CPMF, conhecida como imposto do cheque. Antes, em 2005, por pressões de associações empresariais, o governo teve de desistir de aprovar no Congresso a MP 232, que ampliava os impostos das empresas prestadoras de serviço.

Se os impostos fossem menores e a diferença (ou boa parte dela) fosse repassada para o consumidor, mais gente poderia comprar as mesmas coisas. Também sobraria mais dinheiro para que as pessoas comprassem outras coisas – ou poupassem. Em ambos os casos, elas estimulariam o desenvolvimento do país, ajudariam a gerar mais empregos e no final das contas até elevariam a arrecadação do governo com os impostos, pelo aumento da atividade econômica. “A alta carga tributária do país impede o crescimento e contém o consumo e a poupança”, diz Olenike, do IBPT.

Um exemplo do que pode acontecer com a redução de impostos foi observado no ano passado, quando, em resposta à crise mundial, o governo reduziu tributos nos setores de veículos, materiais de construção e linha branca (geladeiras, fogões e máquinas de lavar). A diminuição de taxas sobre carros levou a descontos de cerca de 5% no preço final ao consumidor. As vendas explodiram e bateram recorde histórico. No ano passado, venderam-se mais veículos no Brasil do que nos EUA: cerca de 3 milhões de unidades. Com os produtos da linha branca e os materiais de construção aconteceu a mesma coisa. “É a lei da oferta e da procura. Com a queda de preço, aumenta a demanda e o mercado se expande”, diz o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor do Instituto de Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-diretor de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “A arrecadação não caiu porque a população comprou mais.”

Se a redução de tributos pode ter um efeito tão positivo no país, por que o governo não a adota em definitivo e também em outros setores? A resposta é que os governos, principalmente o federal, gastam muito e precisam do dinheiro dos impostos para pagar suas contas, principalmente o custeio da máquina administrativa. “Os preços são altos porque os gastos públicos são altos. Essa é a questão principal. É preciso discutir os gastos, para ver onde é ineficiente, e mostrar que um dos benefícios de uma carga tributária menor são produtos mais baratos e mercados mais amplos”, afirma o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas.

Desde 2003, os gastos do governo federal com o funcionalismo mais que dobraram, de R$ 75 bilhões para R$ 151,7 bilhões. O número de servidores do Executivo aumentou em cerca de 85 mil, de 1,78 milhão para 1,86 milhão, boa parte dos quais comissionados. O déficit da Previdência cresceu 12% em 2009 em relação ao ano anterior, para R$ 43,6 bilhões, por causa principamente das aposentadorias generosas do setor público e dos aumentos concedidos aos aposentados nos últimos anos. “É preciso fazer algo para acabar com isso”, afirma Velloso. “É melhor começar pelo lado do gasto, porque nenhum governo tem coragem de mexer no imposto.”

Com gastos fixos tão altos, o governo fica com poucos recursos disponíveis para aplicar em infraestrutura, como a construção de estradas, portos e aeroportos. “O Estado é adiposo e gasta muito na sua manutenção”, diz o economista Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda e da Agricultura. “O Estado está ficando balofo e pouco musculoso”, afirma o economista Luiz Gonzaga Beluzzo.

Uma mostra de que os gastos com seu próprio custeio são excessivos é que nos últimos anos, com exceção da pior fase da crise, a arrecadação do governo vem batendo recordes sucessivos, mas nem assim o governo tem conseguido aumentar sua poupança para custear os investimentos. Nos primeiros quatro meses de 2010, a arrecadação federal alcançou R$ 245,8 bilhões, alta de 10,9% sobre o mesmo período de 2009. “O governo comemora quando a arrecadação de impostos sobe e a imprensa vai atrás”, diz o cientista político Alexandre Barros, diretor da Early Warning, empresa que avalia o risco político e políticas públicas. “A gente deveria gritar ‘viva’ quando a arrecadação do governo caísse.”

No início de maio, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou um corte de R$ 10 bilhões nas despesas previstas no Orçamento deste ano. Muitos analistas, porém, consideram o corte apenas cosmético. “Isso é piada”, diz Constantino. “Um corte de R$ 10 bilhões em um gasto de mais de R$ 1 trilhão por ano é como uma família que gasta R$ 20 mil por mês dizer que vai fazer um megacorte de R$ 200.”

Na visão do economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, há margem para promover uma redução progressiva de até 5% do PIB na carga tributária para cerca de 30% do PIB. Ele diz que, em 2010, em razão do aumento de gastos do governo durante a crise, será preciso recompor as contas públicas. Mas que, já em 2011, com a manutenção do crescimento econômico, o governo poderá promover uma redução imediata de 0,5% do PIB, o equivalente a R$ 30 bilhões ou dois anos do orçamento do Bolsa-Família. “O imposto pode cair sem o governo abrir mão dos programas sociais, do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e do Minha Casa, Minha Vida, que são importantes para o crescimento e o emprego”, afirma. “Um dos instrumentos para promover o crescimento da economia é ter uma política bem pensada de redução de impostos.”

É difícil que isso aconteça no curto prazo, qualquer que seja o presidente eleito neste ano. O certo seria passar a limpo a atual legislação, algo chamado no jargão político-econômico de “reforma tributária”. Mesmo que ela não promovesse uma imediata redução de impostos, poderia simplificar o sistema e aliviar as empresas e os cidadãos da burocracia exagerada. Mas a reforma tributária está em discussão no Congresso desde 1993, sem quase nenhum efeito. Se não andou em sete anos, menos ainda deverá se mover num período eleitoral. Ou no ano que vem. Embora os principais candidatos declarem ser favoráveis à reforma, as dificuldades são enormes. “Existe um acordo tácito entre os políticos para não tocar nesse assunto e para sustentar o sistema de patronagem que a gente tem”, diz o sociólogo Almeida.

O maior problema é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Consumo (ICMS), pago pelo consumidor a cada compra. Como o ICMS envolve a partilha dos recursos entre os 26 Estados do país, é complicado chegar a um acordo. A ideia de que é possível fazer uma reforma sem que haja ganhadores e perdedores é uma ilusão. “Não existe reforma tributária neutra”, diz o economista Clóvis Panzarini, especializado na área tributária. “O ICMS virou algo tão complexo que, se acabassem todos os impostos e sobrasse só ele, o sistema tributário brasileiro continuaria a ser um problema.”

A essa altura, parece claro que, por si sós, os políticos não conseguirão chegar a um consenso para a reforma. Essa percepção vem dando base a vários movimentos contra a elevada carga tributária. Na terça-feira dia 25, várias cidades celebrarão o Dia da Liberdade de Impostos, idealizado pelo Instituto da Liberdade, com apoio da Associação da Classe Média (Aclame). A entidade vai promover, pelo sexto ano consecutivo, a venda de gasolina pelo preço líquido, sem impostos, em postos espalhados pelo país. Associados e simpatizantes da causa pagam o imposto, para que os postos possam recolhê-los, mas o consumidor paga menos – e assim percebe como sua vida poderia ser melhor.

O movimento terá uma pré-estreia no sábado 22, no posto Ale, no Rio Sul, no Rio de Janeiro. Lá serão vendidos 5.000 litros de gasolina por R$ 1,18, sem a carga tributária de 53,03%, em vez dos R$ 2,49 pagos hoje nas bombas. Estava prevista a participação do comediante Marcelo Madureira, da turma do Casseta & Planeta, como frentista. “Assim, as pessoas podem se dar conta de que pagam o dobro pela gasolina por causa dos impostos que vão para o governo”, diz Paulo Uebel, diretor executivo do Instituto Millenium, que lidera o movimento no Rio.

Outra campanha anti-impostos deve ser lançada na quinta-feira na sede da Fiesp ou na Federação do Comércio do Estado de São Paulo. Trata-se do Brasil Eficiente, um movimento que pretende funcionar como uma ampla frente suprapartidária. Na ocasião, deverão ser apresentados um estudo sobre os desequilíbrios e desperdícios nas contas públicas, preparado pelo economista Raul Velloso, e um projeto de reforma tributária preparado pelo economista Paulo Rabello de Castro, colunista de ÉPOCA. O objetivo é aproveitar a campanha presidencial para debater o tema com os candidatos e com a população. Também será apresentada uma cartilha para informar o cidadão comum sobre o assunto.

Os dois movimentos se juntam a outros, como o Feirão do Imposto. Criado pelo Núcleo de Jovens Empresários da Associação Comercial e Industrial de Joinville, em Santa Catarina, em 2003, o feirão ganhou força nacional e passou a montar barracas nas ruas de uma centena de cidades de todo o país, que atraem milhares de pessoas com a exposição de vários produtos e uma lista com os impostos pagos na compra de cada um.

Em 2005, além do Impostômetro, a Associação Comercial de São Paulo lançou o movimento De olho no imposto, para defender a transparência tributária e a divulgação do valor dos tributos pagos pelo consumidor na compra de produtos e serviços – uma medida prevista na Constituição de 1988, mas até hoje não regulamentada. “É uma proposta que muda a vida do cidadão”, diz o ex-presidente da entidade e secretário de Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo. “Ele terá mais condições de cobrar a melhoria dos serviços públicos através dos impostos.”

Com o apoio de dezenas de associações de classe, o movimento entregou uma carta ao então presidente do Senado, Renan Calheiros, para pressionar pela aprovação do dispositivo que prevê a divulgação dos impostos nas notas fiscais, como acontece nos Estados Unidos. Lá, quando vai comprar um Big Mac, qualquer criança sabe qual é o preço do sanduíche e quanto ela paga de impostos. Aqui, não. Resultado: de acordo com uma pesquisa realizada recentemente pela Fiesp com 1.000 pessoas em 70 cidades, 75% não sabem os impostos que pagam nos diferentes produtos. “Não podemos culpar o cidadão de ignorância nem de falta de atenção, porque não contam para ele quanto cobram de imposto”, diz Paulo Francini, da Fiesp. Ainda assim, segundo Francini, em outra pesquisa nacional da Fiesp, com mais de 200 mil pessoas, ficou claro que a percepção de que se paga muito imposto no Brasil está ganhando corpo. “A sensação do cidadão é que ele paga demais e recebe serviços de menos”, diz.

Hoje, há até vídeos no YouTube contra os impostos. Um deles, do paulista Alexandre Aniz, produzido em 2008, satiriza os tributos com o funk “Créu com os impostos”. Em outro, de 2009, o músico Mírcio Menezes ironiza o excesso no forró “Impostos”.

Alguns dos movimentos lembram o Tea Party, dos Estados Unidos, criado em 2009 para lutar contra o aumento dos gastos públicos americanos durante a crise financeira. Chama-se Tea Party em homenagem ao episódio em que patriotas americanos jogaram ao mar carregamentos de chá, no século XVIII, em desafio aos impostos cobrados pela coroa britânica. Foi um dos episódios que levaram à independência americana. No Brasil, houve iniciativas semelhantes. Uma delas, a Inconfidência Mineira, preparava uma rebelião movida pela repulsa aos exorbitantes impostos (de 20%) cobrados pela coroa portuguesa na extração de ouro e minérios do Brasil Colônia. É claro que, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil atuais, não se trata mais de uma monarquia estrangeira se apoderando dos recursos de uma nação sujeitada. Mas, para o dia a dia de milhões de cidadãos – ou contribuintes, no revelador jargão do Fisco –, conter o apetite do governo sobre seu bolso equivale, sim, a um movimento de independência individual.


Autor; José Fucs, Revista Época

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